domingo, 2 de novembro de 2008

A ida ao dentista: na visão do paciente

Olá leitores e colegas de profissão.. vasculhando na net, achei um texto mutio bem escrito, com um pouco de humor e sarcasmo, descrevendo a ida ao dentista e quero compartilhar com voces. Retirei de um blog (muito bom por sinal) que mostra contos, crônicas e histórias de cotidiano ou melhor do cuotidiano. 


Ida ao dentista 

Ontem fui ao dentista. Ao Pedro Maria Ânus. Sim, eu sei que é um nome um bocado ridículo, passível de trocadilhos como “Pedro Mariano” – confesso que também os faço. Mas sejamos correctos, que o homem é um grande profissional - seja lá do que for. Bom, recomeçando.

Ontem fui ao Pedro Mariano. Ah, desculpem. Ao Ânus. Melhor, ao Dr. Ânus, assim é que é. Adiante. Chegado lá, cumprimentei, quase em surdina, a recepcionista

1º mistério – Porque é que as pessoas falam baixinho no dentista? Será para não abafar o maravilhoso som das brocas furando os dentes - e, como dano colateral, os tímpanos de toda a gente?

e sentei-me, esperando a minha vez. Peguei numa revista - obviamente “do coração” – e, ao folheá-la, estranhei a existência de múltiplos artigos sobre a passagem do milénio. “Outra vez”, pensei? Só algum tempo depois é que reparei na data – eram dessa altura.

2º mistério – Porque é que as revistas das salas de espera dos dentistas têm, pelo menos, cinco anos? E, já agora, mais de vinte folhas rasgadas? E, pior ainda, a Lili Caneças, mais rasgada ainda?!

Devolvi a revista à companhia de suas amigas de longa data – divirtam-se, garotas! - e olhei à minha volta. Todos os outros condenados estavam como eu, divididos – por um lado ansiosos, com a esperança de serem eles os próximos a entrar para ficar sem dores; por outro, esperando que fosse a vez de outro pacóvio qualquer por... puro e instintivo medo! Enfim... à minha frente, a recepcionista namorava com o próprio telefone,

3º mistério – Porque é que as recepcionistas também usam bata branca? Será para não se sentirem inferiores, como quem diz “reparem bem, eu também sou enfermeira e, ainda por cima, sei atender telefones, coisa que as outras não sabem fazer. Além disso, a minha bata está mais branquinha do que a delas, nunca tem sangue.”

telefone esse que, diga-se, já estava com um ar um pouco farto – afinal sempre havia alguém com bom senso ali. Sem nada para fazer, a não ser ouvir a 7ª sinfonia para brocas e gritos em dó maior, e embora não estivesse com muita vontade, resolvi ir à casa de banho,

4º mistério – Porque é que, nos dentistas, se pede à recepcionista para ir à casa de banho? Será que, como na escola, é para os adultos verem que nos portamos bem, somos bons meninos, e a seguir nos tratam – “tratam” aqui cai bem, tem duplo sentido, o dentista inspirou-me – melhor? Já agora, porque será que, nestes consultórios, o vulgo “WC” é normalmente elevado à superior condição de “lavabo”?

nem que fosse para conviver com o meu único amigo ali disponível. Quando voltei, sem dar tempo, sequer, para me sentar outra vez, finalmente (ou seria infelizmente?) chegou a minha vez. Chegado à porta, pedi para entrar.

5º mistério – Se é o médico que nos manda chamar, donde virá o servilismo idiota de “pedir licença”?

Fui superiormente autorizado a fazê-lo, sentei-me na cadeira da câmara dos horrores e esperei pelo matador, empunhando firmemente a seringa, dançando em olés mentais de fazer faísca e... lá vai disto – espetou-me a agulha, numa chicuelina cheia de garbo e profissionalismo, na zona mais roxa da minha pobre gengiva em pânico. Depois de outras cinco bandarilhadas, ao fim das quais tinha anestesiado não só a dita gengiva como o lábio, a sobrancelha e mais 324 cabelos - que ficaram espetados durante quatro horas, de tal forma que mais parecia saído de um qualquer ritual satânico -, achou-me pronto para a estocada final – o arranjo do dente. Magnânimo, autorizou: “pode cuspir!”.

6º mistério – Porque será considerada uma benção o acto de dar uma ‘escarradela’? Será porque imaginamos a cara do assassino no lavatório? E se esta moda pega para outras profissões liberais? Por exemplo, imaginemos que, a meio de uma reunião de engenharia, toda a gente cheia de gravatas e salamaleques, quem a dirige diz “podem cuspir”? Tudo aos gritos “luta de escarros, luta de escarros!”, a seguir... – bom, chega!

Aproveitei aquele momento de generosidade e... aí vai amarela! De regresso à tortura, mais buraco menos buraco, mais massa menos massa, fiquei consertado e lá me pirei dali para fora, agradecendo parvamente. De regresso à sala de espera, o único grande momento do dia – o olhar para os outros condenados! Um a um contemplei-os vagarosamente, rodando o olhar, como se dissesse “agora és tu, não, afinal és tu, não, enganei-me, és tu...”, com a saborosa certeza de que não seria eu. Depois desse pequeno gozo sádico, voltei-me para a recepcionista e perguntei-lhe quanto era, ao que ela – que, naquele momento, já me parecia com muito melhor aspecto, pelo menos dois whiskies e meio melhor – me respondeu com um qualquer número que ultrapassava o pornográfico - roçando, até, o Cavaco Silva completamente nu a fazer jogging. Paguei (conquistando, assim, a hipótese mais que provável de não almoçar nos três meses seguintes) e agradeci na mesma,

7º mistério – Porque será que, sempre que vamos a uma qualquer loja, e nos pedem um preço elevadíssimo por qualquer coisa protestamos, pedimos desconto, choramos, até convidamos a vendedora gorda, sebosa e borbulhosa para jantar se for preciso - e no dentista pagamos e agradecemos?

com uma cara misto de parvo com “à banda”. Em troca, recebi um simpático cartão-convite-se-não-vens-‘tás-lixado com as minhas próximas marcações - mas sempre em surdina, não fossemos (eu, aquela maravilhosa enfermeira de impecável bata branca e o desesperado telefone digital) estragar o orgasmo iminente do Dr. Ânus, ao som esplendoroso da 7ª sinfonia para brocas e gritos em dó maior.


Retirado de www.cuotidiano.blogspot.com